Apesar da crescente demanda por mais segurança em passagens de nível (PNs) em áreas urbanas, iniciativas para implementar sistemas automatizados de baixo custo vêm enfrentando resistência técnica dentro das próprias operadoras ferroviárias. O impasse tem um ponto comum: a exigência informal de certificações rígidas de falhas que não são previstas na legislação brasileira para este tipo de aplicação.
Normalmente em reuniões envolvendo representantes de operadoras ferroviárias, foi constatado um padrão: as grandes maiorias dos setores envolvidos demonstram apoio às soluções novas propostas mais acessíveis, no entanto, os núcleos técnicos, especialmente os responsáveis pela área de tecnologia, frequentemente se opõem à adoção, alegando que os equipamentos não possuem certificações internacionais como o SIL (Safety Integrity Level), por exemplo. Essa recusa, baseada em critérios técnicos, tem sido um entrave recorrente para o avanço da segurança em PNs das empresas e munícipios.
A certificação SIL (Safety Integrity Level), exigido com frequência, apesar de importante em determinadas aplicações críticas de segurança industrial, não é uma exigência legal para sistemas de sinalização em passagens de nível no Brasil. Nenhuma das normas brasileiras, ou mesmo o Manual de Cruzamentos Rodoferroviários faz menção à obrigatoriedade de SIL .
Ao contrário, a legislação nacional reconhece a possibilidade de falhas nos sistemas automáticos e exige, para esses casos, a presença de sinalização passiva, como a placa “PARE” , garantindo segurança mínima até a restauração do sistema. Esse respaldo normativo afasta qualquer receio por parte da concessionária de que falhas ocasionais possam comprometer sua imagem, desde que a sinalização esteja em conformidade com as normas técnicas aplicáveis.
Isso demonstra que o marco regulatório brasileiro adota critérios compatíveis com sua realidade orçamentária e operacional, permitindo soluções acessíveis e eficazes, especialmente importantes em contextos urbanos e em municípios com recursos limitados.
Empresas com grande capacidade de investimento, como Vale, MRS, VLI ou as operações em Carajás, adotam sistematicamente padrões técnicos elevados e internacionalizados, o que é compreensível para contextos de alta criticidade. Contudo, é comum que profissionais oriundos dessas ferrovias, ao assumirem posições em outras operadoras passem a impor os mesmos critérios técnicos de alto custo em contextos que não os exigem.
Na prática, esse excesso de rigor técnico cria um bloqueio institucional interno: mesmo quando outros setores reconhecem a viabilidade das soluções propostas, os núcleos de tecnologia vetam sua adoção por não estarem acostumados a operar fora dos padrões elitizados.
A incoerência é evidente: equipamentos que atendem plenamente às normas brasileiras são descartados por não cumprirem requisitos que não são obrigatórios. Com isso, mantém-se uma situação de omissão institucional: passagens de nível permanecem sem nenhuma forma de sinalização ativa, colocando em riscos motoristas e pedestres, e expondo empresas à responsabilidade legal e social.
O Brasil não exige certificação SIL para PNs. Exige, sim, que os equipamentos utilizados estejam em conformidade com as normas da ABNT e com o Manual de Cruzamentos Rodoferroviários.
Se um sistema de sinalização automatizada atende a esses requisitos ele pode ser legalmente instalado, promovendo segurança imediata à população.
As operadoras ferroviárias podem e devem confiar na legislação brasileira, que já estabelece critérios claros, seguros e viáveis para a sinalização de passagens de nível. A norma permite agir. A tecnologia nacional está disponível. O que falta, muitas vezes, é apenas a decisão. Quando os impasses técnicos viram barreiras, é à liderança que cabe agir. O respaldo está na lei e a urgência está nas ruas.